DISCORD É UMA PLATAFORMA SEGURA PARA SEU FILHO?
- Karoline Hoffmann

- 14 de out.
- 5 min de leitura

Com a recente atualização das políticas de privacidade e dos termos de uso da plataforma mais utilizada por crianças e adolescentes, realizei uma análise do texto e como ele acolhe ou conflita com o ECA Digital, a nova Lei 15.211/2025, que entra em vigor em março de 2026.
Panorama do ECA Digital — principais exigências
Antes de comparar, vale resumir os pontos centrais do Estatuto:
A lei se aplica a produtos/serviços de tecnologia da informação direcionados ou com probabilidade de acesso por menores de 18 anos.
Exige medidas “razoáveis” de prevenção por projeto (privacy by design, safety by design) para mitigar riscos à infância e adolescência.
Verificação confiável de idade (não apenas autodeclaração) e vinculação de contas de menores (até 16 anos) a responsáveis são requisitos obrigatórios.
Ferramentas de supervisão parental devem existir e serem acessíveis.
Resposta ágil a conteúdos ilícitos, remoção por notificação e canais de denúncia devem estar disponíveis.
Normas específicas para coleta, tratamento e publicidade dirigida a menores, limitações de perfis e segmentação agressiva.
A lei institui agência reguladora (designada à ANPD, segundo decreto) para fiscalização, normatização e aplicação de sanções.
Sanções previstas incluem advertência, multa (podendo atingir valores expressivos), suspensão temporária e até proibição de operação.
Ademais, o ECA Digital se insere num contexto de compatibilização com a LGPD (Lei 13.709/2018): o tratamento de dados de crianças e adolescentes passa a ter exigências reforçadas.
Comparação: Políticas do Discord vs. requisitos do ECA Digital
1. Verificação de idade e vinculação a responsáveis
Discord: Nos termos, é comum que plataformas exijam idade mínima (13 anos nos EUA, por exemplo), mas o Discord atualmente não exige mecanismos robustos de verificação de idade (além da autodeclaração).
ECA Digital: obriga que a verificação seja “confiável” e que contas de menores de 16 anos sejam vinculadas a responsável.
Risco / lacuna: Discord precisará adaptar seus fluxos de cadastro para incluir verificação mais segura (documento, biometria, certificado digital etc.) ou exigência de responsável.
2. Medidas por projeto (design) e prevenção
Discord: sua Política de Privacidade e atualizações refletem preocupação com transparência e controle de dados. Também implementa controles de privacidade acessíveis aos usuários.
ECA Digital: exige “medidas razoáveis” desde o design para proteger usuários menores, mitigando riscos previsíveis.
Avaliação: Discord já adota práticas de “privacy by design” em certa medida, mas esse padrão precisará ser elevado, com auditorias específicas para infância/adolescência, filtros de conteúdo, bloqueios proativos, mapeamento de risco etc.
3. Conteúdo impróprio / ilícito e moderação
Discord: nos Termos de Serviço e Diretrizes, proíbe uso para danos a outros, assédio, distribuição de conteúdo nocivo, hacking, uso de bots abusivos etc.
ECA Digital: exige que plataformas façam resposta rápida a conteúdos ilícitos relacionados à criança/adolescente (exploração sexual, violência, incitação ao suicídio etc.).
Avaliação: é compatível que o Discord já proíba esse tipo de conteúdo, mas pode haver necessidade de mecanismos mais proativos (detecção automática, alertas para uso de IA, fluxos de denúncia prioritários) no contexto brasileiro.
4. Tratamento de dados pessoais e publicidade dirigida
Discord: afirma que não vende dados pessoais dos usuários (no escopo americano) e detalha as categorias de dados coletadas e os usos permitidos. Também permite controles para desfocar publicidade personalizada (ou optar por não participar) em algumas jurisdições.
ECA Digital: impõe restrições mais severas ao tratamento de dados de menores, especialmente no que tange à segmentação de publicidade, perfilamento e consentimento.
Lacuna: Discord precisará demonstrar que obedece o princípio de minimização, transparência reforçada, obter consentimento específico para menores ou para o responsável, evitar publicidade agressiva ou segmentada a menores.
5. Supervisão parental
Discord: não existe (publicamente nos documentos) um requisito de ferramenta de supervisão parental vinculada ou configurável por padrão.
ECA Digital: exige que as plataformas disponibilizem mecanismos de supervisão parental, adequados à faixa etária.
Necessidade: Discord terá que desenvolver funcionalidades que permitam ao responsável ver histórico, bloquear canais, definir filtros etc.
6. Remoção de conteúdo e canais de denúncia eficientes
Discord: já possui mecanismos de denúncia, moderação e remoção de conteúdo (banimento de usuários, remoção de mensagens, suspensão etc.).
ECA Digital: exige resposta ágil, canais específicos de denúncia relativos à infância/adolescência, e rotina de tratamento preferencial desses casos.
Avaliação: Discord provavelmente já tem estrutura global de moderação, mas será necessário localizá-la (e escalá-la) aptamente para atender obrigações brasileiras, inclusive prazos e transparência.
7. Responsabilidade e penalidades
Discord: Os Termos de Serviço permitem que a plataforma suspenda ou remova conteúdos ou contas que violem suas políticas.
ECA Digital: estabelece sanções legais: multa, suspensão ou até proibição de operação no Brasil.
Importância: Discord não está isento a lei brasileira terá aplicabilidade territorial, independentemente da sede da empresa (princípio da eficácia extraterritorial).
Conformidade: onde já está bem alinhado, onde há lacunas
Pontos de conformidade relativamente seguros
Proibição de conteúdos nocivos, assédio, uso abusivo, hacking, propagação de conteúdo ilícito já estão previstos nos Termos e Diretrizes do Discord.
Transparência quanto à coleta de dados e opções de controle já fazem parte da Política de Privacidade do Discord.
Controles de privacidade que permitem ao usuário gerir quem pode ver suas informações já existem.
Discord atualiza periodicamente sua política e disponibiliza notas de mudanças.
Lacunas ou riscos que demandam adaptação
Tema | Lacuna / risco | Recomendação |
Verificação de idade | Discord depende de autodeclaração em muitos casos; insuficiente frente ao ECA Digital | Introduzir verificação confiável (documento, KYC leve, validação por terceiros) |
Vinculação de contas de menores | Ausência de exigência de vínculo com responsável | Para menores de 16 anos, exigir consentimento formal dos pais ou guardiões |
Supervisão parental | Em geral, não há funcionalidade dedicada para pais | Criar painel parental, controle de tempo, filtros de conteúdo |
Publicidade e segmentação de menores | Ausência de restrições explícitas | Bloquear anúncios direcionados a menores, evitar perfilamento agressivo |
Escalação local de denúncias | A moderação global pode não priorizar casos relacionados à infância | Criar fluxo de priorização local, equipe especializada no Brasil |
Transparência de ações | Discord pode não oferecer relatórios públicos específicos do país | Publicar relatório de moderação brasileiro, cumprir obrigações de transparência |
Responsabilidade legal local | Discord como plataforma global pode subestimar riscos brasileiros | Ter equipe jurídica local, compliance permanente frente à ANPD |
Conclusão e recomendações estratégicas para plataformas como o Discord
A sanção do ECA Digital / Lei 15.211/2025 cria um novo panorama regulatório no Brasil, com exigências específicas para plataformas digitais no que toca à proteção de crianças e adolescentes. Para o Discord, seus Termos de Serviço, Política de Privacidade e Diretrizes já contemplam muitos elementos compatíveis, mas não estão plenamente adaptados ao novo padrão brasileiro.
As principais lacunas envolvem verificação robusta de idade, supervisão parental, tratamento de dados de menores e publicidade direcionada, bem como mecanismos de denúncia e moderação local eficaz. Caso o Discord não promova ajustes significativos nesses pontos, poderá enfrentar sanções no Brasil, além de riscos reputacionais.
Para você, cliente ou empresa que opera no Brasil ou contempla público brasileiro, algumas recomendações boas de prática:
Realize auditoria de compliance local — mapear todos os fluxos de cadastro, moderação, dados e publicidade do seu serviço para identificar pontos que vulneram o ECA Digital.
Antecipe adaptações — mesmo que regulamentações específicas fiquem a cargo da autoridade futura, já comece a definir módulos de verificação de idade confiável, painel parental e filtros exclusivos.
Integre equipe jurídica e de tecnologia — a adequação exige esforço combinado de tecnologia (desenvolvimento de sistema) e jurídico/regulação no Brasil.
Transparência ativa no Brasil — publique políticas específicas para usuários brasileiros, relatórios de moderação e condutas, atendimentos locais.
Monitore normativos e decisões judiciais — a aplicação da lei por parte da autoridade reguladora (ANPD) será crucial e haverá normas complementares.



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